segunda-feira, 13 de junho de 2011

Epidemia e medo andam juntos

Mesmo se a Alemanha encontrou a fonte da contaminação, o surto da bactéria Eceh provocou pânico entre os consumidores. Um reflexo de medo, amplificado por uma informação equivocada.

 

Análise com Vincent Barras, professor de história da medicina e da saúde pública.

O pepino "orgânico" espanhol foi o primeiro a aparecer no banco dos réus. Apesar de inocentado de todas as suspeitas, os consumidores europeus preferem evitá-lo. O cucurbitáceo acabou sendo sacrificado no altar do medo. Alface, tomate e outros vegetais também sofreram o mesmo destino, causando prejuízos enormes aos produtores.

A bactéria assassina que assola a Alemanha provocou pânico entre os consumidores. Mas, na história das epidemias, este tipo de episódio é recorrente. E, de acordo com Vincent Barras, professor de história da medicina e da saúde pública da Universidade de Lausanne, esse tipo de epidemia tende a aumentar. Em nossa sociedade sobrecarregada de informação, o desafio é conseguir comunicar de forma adequada.

swissinfo.ch: A crise epidêmica na Alemanha tem algum antecedente?

 

VB: Na história das epidemias, este tipo de episódio é recorrente. Basta pensar no exemplo do cólera, que ataca regularmente. No caso da bactéria E. coli, sua patogenia é conhecida há muito tempo como a "doença do hambúrguer" (nota: há 30 anos, os Estados Unidos sofreram um surto devido ao consumo de carne de hambúrguer mal cozida).

Mas com a atual bactéria Eceh, o que assusta é o inesperado. Não esperávamos ter uma epidemia com mortes na Alemanha. Mas a mesma coisa pode acontecer amanhã, com outra bactéria. Não é surpreendente, pois há uma grande quantidade de bactérias na Terra e muitas delas têm um potencial nefasto aos seres humanos, embora as bactérias, em si, também sejam necessárias ao equilíbrio humano.

swissinfo.ch: Além disso, nos últimos anos, os consumidores europeus sofreram várias epidemias. Elas estão aumentando?

 

VB: Hoje, os mecanismos fisiopatológicos são mais conhecidos. Estamos mais informados e essas infecções são mais divulgadas. Mas eu ainda acho que esse tipo de risco deve continuar aumentando. Com a complexidade atual dos sistemas de comércio de alimentos e de produção industrial, esse tipo de episódio tem muito mais chances de acontecer hoje do que há 50 anos.

Tem mais de um século que as leis de saúde existem e que funcionam muito bem em comparação com a enorme quantidade de produtos comercializados hoje. Mas as leis e os sistemas de proteção são sempre aperfeiçoáveis e podem ser contornados. Esse tipo de epidemia é inevitável, a menos que todas bactérias sejam eliminadas da superfície da terra. Mas nós precisamos delas também.

swissinfo.ch: Os consumidores boicotaram logo os produtos suspeitos de estarem contaminados pela bactérias Eceh. Como você interpreta esse reflexo?

 

VB: Dada a velocidade de propagação das informações, é um reflexo de sobrevivência, razoável. Isso é particularmente impressionante dada a velocidade com que a informação circula hoje. Acho que é saudável que as pessoas tenham esse tipo de comportamento. Porque mostra que também podem influenciar os processos que as alimentam.

swissinfo.ch: No entanto, essa reação causou prejuízos consideráveis aos produtores de hortaliças. Como gerenciar a comunicação diante de tal epidemia?

 

VB: Em uma sociedade onde a informação flui em altíssima velocidade, um boato não confirmado pode se espalhar muito rapidamente, causando danos enormes. É preciso um verdadeiro debate político sobre a forma como a informação deve ser tratada para evitar o pânico. O pânico nunca é um bom motor, embora faça parte do senso comum. Os sistemas de informação atuais são um verdadeiro problema.

Também foi assim no início da epidemia de Aids. Os falsos rumores, a estigmatização social de determinados grupos criaram uma atmosfera absolutamente prejudicial. Isso, por causa de uma difusão de informações às vezes equivocadas que expressam o pânico.

swissinfo.ch: As autoridades alemãs logo acusaram um produto estrangeiro, o pepino espanhol. O que você acha dessa atitude?

 

VB: É um reflexo observado sistematicamente em casos de epidemias. De acordo com esse reflexo, a epidemia vem sempre de fora. Tomando como exemplo a gripe espanhola, que causou 50-100 milhões de mortes, ela foi chamada espanhola porque a Espanha foi o único país que declarava o número de pessoas com a gripe. Isso foi bem conveniente para países como França ou Alemanha.

Acusar os outros é um reflexo tão antigo quanto o mundo, seja um grupo social estigmatizado ou um povo estrangeiro. Afinal, uma bactéria é um tipo de inimigo que lhe invade, como um exército estrangeiro invade um país. Esse reflexo está praticamente escrito na memória humana. Quem invade é sempre o outro, que deve ser acusado. O pepino espanhol se encaixou nesta lei, antes mesmo de se ter tempo de verificar se era realmente a causa da contaminação.

swissinfo.ch: Você acha que essa epidemia vai mudar os hábitos alimentares da população?

 

VB: Os hábitos alimentares de hoje podem mudar muito rapidamente, com a introdução de novos produtos. Esse surto poderia dar um impulso rápido à mudança do comportamento ou da cultura alimentar, especialmente em relação à produção industrial de produtos hortícolas.

Laureline Duvillard, swissinfo.ch
Adaptação: Fernando Hirschy

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