terça-feira, 16 de outubro de 2012

Louco, Nilo teve perdão do público de 'Avenida Brasil', diz José de Abreu


Em entrevista, ator fala sobre o sucesso do personagem com as crianças.
'Risadinha virou um hit nacional', afirma; novela termina nesta sexta.



Por seu visual e postura, o Nilo de “Avenida Brasil” tem pouco potencial para seduzir o público infantil: maltrapilho, barba imensa, alcoólatra e explorador dos menores do lixão onde vive. Com tais características, ele foi associado, desde os capítulos iniciais da novela exibida na faixa das 21h pela TV Globo, ao “homem do saco” – ou ao “bicho papão”, conforme aponta o intérprete do personagem, José de Abreu, em entrevista ao G1.

O ator tem afirmado, no entanto, que agora “as crianças adoram Nilo”. Que formam filas para pedir autógrafos. Ele arrisca esta explicação: elas têm facilidade para entender o papel do vilão, graças ao hábito de assistir a desenhos animados. Ainda assim, o personagem merece também o apreço dos adultos, prossegue Abreu. “Sabe o perdão aos loucos? Acho que o público teve essa coisa de perdoar o Nilo como um cara louco.”
Mas o principal motivo para a aprovação é outro: a “risadinha”. “Virou um hit nacional, né?”, constata o ator. Durante a conversa, José de Abreu fala sobre a criação de Nilo – uma de suas referências foi o flautista de uma banda de rock –; os problemas psicológicos do personagem – o ator é casado com uma psicóloga –; e se levanta contra quem acusa a novela de alienar as pessoas. Leia, a seguir, os principais trechos:
G1 – Conforme os capítulos da novela avançaram, foi possível forçar mais a mão na interpretação do Nilo?
José de Abreu –
 Eu acho que a gente conseguiu fazer do lixão uma coisa lúdica, o Nilo virou uma criança, um personagem completamente fora de padrão, meio bufão, né? Isso tirou todo aquele peso que ele poderia ter. No começo, ele tinha de ter aquela mão pesada para justificar o sofrimento da Nina.
G1 – Mas, com o tempo, foi possível arriscar uma cena como aquela em que o Nilo come um pedaço de presunto atirado ao chão, que talvez não fosse viável no começo.
José de Abreu –
 Aquilo [a cena] é o fundo do poço total para um ser humano: ser chamado de cachorro e meio que aceitar o comportamento canino – ele vai de quatro buscar o presunto, porque tem aquela fixação por comida, que é uma coisa até compreensível em quem vive essa vida de mendicância. E tem o fundo do poço moral, ele está bêbado feito uma vaca, está na segunda garrafa de cachaça. Aquela história de ele falar “devolve minha alma, devolve minha alma!” é meio sintomática de como ele perdeu o domínio sobre si próprio: ele é um pau mandado do Santiago [Juca de Oliveira].
G1 – Com o prosseguimento da história, mudou a impressão que o público tem do Nilo?
José de Abreu –
 Totalmente. O pessoal gosta muito do Nilo.
A risadinha virou um hit nacional, né? Eu jamais poderia imaginar que aquele esgaçar de lábios – que foi feito mais para mostrar os dentes sujos no começo que para fazer gracinha – viraria um hit nacional."
José de Abreu, ator de 'Avenida Brasil'
G1 – Você atribui isso a quê?
José de Abreu –
 À risadinha, que virou um hit nacional, né? Eu jamais poderia imaginar que aquele esgaçar de lábios – que, no começo, foi feito mais para mostrar os dentes sujos que para fazer gracinha – viraria um hit nacional. O que me mandam de brincadeiras com esse “hihihi”... Fizeram com técnico de todos os times de futebol, sempre com o “hihihi" embaixo – teve centenas no Facebook e no Twitter. Com os candidatos a vereador, teve muita brincadeira – nas vitórias, botavam [montagens com] alguns candidatos vestindo “meu” chapéu e com o “hihihi”.
Em cima da risada, o lado negro do personagem sumiu. As pessoas começaram a ver Nilo não como um cara mau, mas como um cara desestruturado, que se vendia dos dois lados, comia o tempo inteiro. Sabe o perdão aos loucos? Acho que o público teve essa coisa de perdoar o Nilo como um cara louco, sem parâmetro para comparar. O Nilo é louco.
G1 – Como se a loucura justificasse algumas das ações dele?
José de Abreu –
 Eu acho. E o Nilo ficou engraçado, passou a ser um personagem lúdico, uma criança. E as crianças adoram o Nilo.
G1 – Ele deixou de ser “o homem do saco”.
José de Abreu –
 No começo, teve muito [de chamarem de “o homem do saco”], porque relacionaram com a história que na minha infância se chamava “bicho papão”. Mais tarde, virou “o homem do saco”. Depois começou a pintar no Nilo esse lado mais engraçado.

G1 – Você ficou sabendo que as crianças passaram a gostar do Nilo porque alguém contou ou por causa de alguma situação?
José de Abreu –
 Eu fui levar meu filho numa estreia de peça infantil, uma superprodução, “O mágico de Oz”, e, pô, foi fila de criança para tirar fotografia. E mesmo na rua, quando vou em restaurante, as crianças querem tirar fotografia com o Nilo. Acho que as crianças parecem que sabem dominar melhor essa coisa de vilão, talvez porque em todo desenho animado o vilão sempre se dá mal. Quando fiz o Josivaldo, com a Renata Sorrah, que era a Nazaré, as crianças também gostavam muito do casal [foi na novela “Senhora do destino”, exibida entre 2004 e 2005]. Acho que elas levam a coisa para o lado mais da brincadeira.
G1 – No começo da novela, você achou que o personagem poderia seguir esse rumo?
José de Abreu –
 Ah, não. A gente não tem muita noção, isso é feito muito aos poucos. Cada cena que você vai criando – começa no figurino, na barba, no cabelo. Vou dar uma dica sobre como funciona minha cabeça: vou botando o figurino, me olhando, o sapato me faz caminhar de determinado jeito... Eu vi uma joelheira de goleiro antiga, num canto, e botei a joelheira. Falei: “O Nilo tem um problema grave no joelho. Ele jogava bola e tem o menisco ruim”. E aquela joelheira apertou o joelho e me fez caminhar de determinada maneira – e continuei caminhando assim mesmo depois de tirar a joelheira.
Até teve uma crítica que falou disso, do uso do corpo do Nilo. Ele era torto, tinha as mãos tortas, artrose nos dedos, um problema sério de coluna, andava muito corcunda. Isso ajudou numa cena em que ele cai da escada e não conseguia se levantar. Essas coisas a gente vai fazendo junto, sem pensar. A partir do capítulo 50, o “hihihi” começou a fazer parte do roteiro, já vinha escrito.
G1 – Além do “hihihi” e da joelheira, o que mais foi incorporado ao personagem e que não estava no roteiro inicial?
José de Abreu –
 Na realidade, é tudo feito num conjunto. Não tem uma coisa que é só minha, ou só do diretor, ou só do autor. A novela vai se fazendo no dia a dia, a cada cena.
G1 – Como você se sente agora, ao se livrar do visual do personagem?
José de Abreu –
 Eu faço isso sempre: acabo de gravar, arranco tudo.
G1 – Mas agora você vai poder tirar a barba, por exemplo, com o fim da novela.
José de Abreu –
 Sempre faço isso. Termino um trabalho, mudo tudo: corto o cabelo, tiro o bigode.
G1 – O que acha do desfecho do personagem?
José de Abreu –
 Eu morro hoje, ué. Agora, você não sabe como ele vai morrer. Isso aí é foda, o João Emanuel [Carneiro, autor da novela] é foda. O Nilo morre envenenado? Modo de dizer. Mas ele morre de uma maneira muito louca. É muito louca.
Bicho, o nível de literatura, direção, cinematografia, interpretação, etc., etc., etc. de uma “Avenida Brasil”, que é transmitida de graça para o povão! Pô, eu acho que quem fala em alienação – manda à merda, entendeu?"
José de Abreu, ator
G1 – O que você, uma pessoa que demonstra ser politizada, acha dos discursos que acusam a novela de alienar as pessoas, principalmente em época de eleição?
José de Abreu –
 Bicho, o nível de literatura, direção, cinematografia, interpretação, etc., etc., etc. de uma “Avenida Brasil”, que é transmitida de graça para o povão! Pô, eu acho que quem fala em alienação – manda à merda, entendeu? A novela é boa pra c... Em termos de entretenimento, novelas como “Cordel encantado” [exibida em 2001], “Avenida Brasil” e outras tantas são do mais alto nível, que é muito raro você ver numa TV aberta, em qualquer lugar do mundo. A novela está sendo comentada por colunistas de todas as áreas, de futebol a política.
Eu entro nos trabalhos da mesma maneira, para mim fiz igual a outros: faço o que está escrito. Este estava escrito para fazer isso – e eu fiz. Só que é um puta personagem bom, um presente que caiu do céu. Quando a gente é bonzinho, papai do céu ajuda.
G1 – Além do ganho de popularidade, o que esse trabalho representa profissionalmente?
José de Abreu –
 As pessoas puderam ver que posso dançar, que eu posso cantar. Teve uma cena com a Nathalia Dill em que fiz uma coreografia em torno dela. Aquilo tudo foi uma coisa que criei em cima do Ian Anderson, que é o flautista do grupo Jethro Tull. Aquela botinha do Nilo me lembra o Jethro Tull, o jeito de ele andar, “Aqualung” [nome de um disco lançado pela banda em 1971], aquela barba branca, cabeludo. E tem principalmente essa coisa da versatilidade como ator, de falar alto e falar baixinho, de cantar...
G1 – Além do Jethro Tull, teve alguma outra referência inusitada?
José de Abreu –
 Tem, mas veio do João Emanuel. O Ricardo Waddington [diretor geral da novela] me passou que o João estava se inspirando no Charles Dickens [1812-1870; escritor britânico]. E na HQ “Fagin, o judeu”, do Will Eisner [trata-se de uma versão inspirada numa obra de Dickens, “Oliver Twist”]. O Will, um dos maiores gênios da história dos quadrinhos, pegou o ponto de vista do velho, e não do Oliver.
A minha mulher é psicóloga, e o Nilo é um prato para analista, meio compulsivo. Ele é completamente ciclotímico, muda de ideia, dá aquelas crises, é maluco. Acho que o que aconteceu com o Nilo foi o seguinte: a vida lhe trouxe um problema maior que sua capacidade psicológica de resolver. [Voz ao fundo] A minha mulher está falando em “resiliência” [termo que se refere à capacidade de superar os problemas]. O Nilo foi um corno público nos anos 1970, e ele começou a beber, beber...
Fonte: www.g1.com

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